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quarta-feira, 5 de março de 2014

Chaga social que nos envergonha




No ano de seu cinquentenário, a Campanha da Fraternidade traz um tema complexo e desafiador: tráfico humano. Para a grande maioria da população brasileira será uma chocante surpresa constatar a existência desse crime em nosso país. E numa proporção jamais imaginada.

A ONU descreve o crime de tráfico humano como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso de força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração”.

São quatro as principais modalidades de tráfico humano: para exploração no trabalho, para tráfico de órgãos, para exploração sexual e tráfico de crianças. Trata-se de um crime organizado que rende uma fortuna aos que o praticam. Com mais de 241 rotas nacionais e internacionais, esse crime tem a invisibilidade como sua maior aliada. Suas vítimas nem sempre o denunciam seja por falta de consciência da exploração a que são submetidas, seja por vergonha ou medo de represálias dos que as exploram.

Alguns números nos ajudam a entender melhor do que estamos falando. Segundo a ONU, o tráfico humano rende cerca de U$ 32 bilhões por ano. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimou, em 2012, que as vítimas do trabalho escravo e da exploração sexual no mundo somaram 21 milhões de pessoas. Desse total, mais da metade (55%) é de mulheres e jovens. No Brasil, de acordo com a Comissão Pastoral da Terra, entre 2003 e 2012, foram registrados 62.802 casos de pessoas em situação de trabalho escravo. Não é fácil precisar, no entanto, o número dos que são vítimas para o tráfico de órgãos.

Tomar consciência da prática desse crime e denunciá-lo é o grande objetivo da Campanha da Fraternidade, juntamente com a mobilização da sociedade brasileira para a erradicação desse mal que envergonha o país. Governos, justiça, legisladores, igrejas, sociedade civil, todos temos o dever de nos empenhar ao máximo na busca de caminhos que ponham fim a essa chaga que tem vitimado milhares de nossos irmãos e irmãs.

Lembra o texto base da CF que “a exploração, compra e venda das pessoas não é apenas mais um dano colateral do sistema econômico atual. Seus mecanismos perversos escondem verdadeiras formas de idolatria: dinheiro, ideologia e tecnologia” (n. 160). O tráfico humano é um pecado “concretizado em mentira, exploração e assassinato, opressão da verdade pela injustiça e pela soberba diante de Deus” (n. 159).

O tráfico humano fere a dignidade das pessoas, criadas à imagem e semelhança de Deus. Rouba-lhes a liberdade e põe fim ao seu sonho de uma vida feliz. Deus não nos criou para a exploração e a escravidão. “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1).

Que a Quaresma nos ajude em nossa conversão e nos faça comprometidos na luta pelo fim do tráfico humano, chaga social que nos envergonha.


Pe. Geraldo Martins
Coordenador Arquidiocesano de Pastoral