Pe. José Antonio de Oliveira
Quando o homem precisou criar um antídoto contra o veneno, foi encontrá-lo onde? Justamente no próprio veneno. Assim nasceu a vacina. Muita gente, ao tentar tirar a própria vida, vai logo recorrer ao… remédio. Isso mesmo. Veneno, na dose certa, salva a vida. Remédio, em excesso, mata.
Rubem Alves diz que não existe nada totalmente errado nesta vida. “Até um relógio parado, duas vezes por dia fica certo”.
Por isso, podemos dizer que até os pecados chamados ‘capitais’, por serem os mais graves, os piores, têm também o seu lado bom. Não acredita? Vejamos:
A gula, por exemplo, é um mal. Comer além do necessário prejudica a saúde, alimenta o consumismo, impede a pessoa de ser mais solidária e partilhar com quem não tem o necessário. Mas aprender a saborear o alimento, degustar, sentir, valorizar e agradecer pelo sustento, aproveitar a mesa, um churrasco, uma festa para celebrar a vida, criar e estreitar os laços, confraternizar, isso é muito bom! Algumas bebidas, como o vinho e a cerveja, são medicinais. Na medida certa, claro…
A ira é outro pecado capital. Carregar ódio no coração, raiva, sentimento de vingança, isso nos corrói por dentro. Tira a nossa paz, prejudica a saúde, nos mata aos poucos. Há um pensamento, atribuído a Shakespeare, que diz: “Guardar rancor é como tomar veneno e querer que o outro morra”. Porém, engolir tudo sem digerir, aceitar passivamente a injustiça, a ofensa, o mal, vai ser altamente nocivo à saúde e à vida. A indignação faz falta. A bíblia traz inúmeras passagens sobre a ‘ira’ de Deus. O próprio Jesus a experimentou. Chegou a partir para as chicotadas e, numa linguagem nossa, “chutou o pau da barraca” (cf. Jo 2,14-16). Milton Nascimento, numa homenagem a Teotônio Vilela, canta: “De quem é essa ira santa?”
A avareza também está na lista. Apego exagerado ao dinheiro, acumular bens, ganância, ambição desmedida. Há pessoas que se entregam tanto a ela que não vivem, não têm paz. Sacrificam a saúde, prejudicam a família, não são capazes de curtir o justo descanso, o necessário conforto… Só pensam em ajuntar. Morrem frustradas, porque nada levam. Mas deixam brigas e divisões entre os herdeiros. Por outro lado, lutar por melhores condições de vida, estudar, correr atrás, se esforçar pra conseguir uma vida digna, ter sua casa e o que necessita para estar bem, isso é bom e necessário.
A sociedade atual vem abrindo muito espaço para a vaidade. É a preocupação excessiva com o aspecto físico, o desejo de conquistar a admiração dos outros, a ditadura da moda, a busca doentia pela estética, em detrimento da ética. Conta muito mais o ter do que o ser, a imagem ou o virtual do que o real. Quanta gente sacrifica o orçamento, põe em risco a própria saúde ou, até mesmo, a vida, para investir na ‘maquiagem’ (tenta-se maquiar a realidade), na lipoaspiração, nas plásticas desnecessárias, botox e tantas coisas mais. Claro que isso não pode fazer bem. Contudo, a autoestima é fundamental para uma vida saudável. Querer estar bem, bonito(a), vestir-se bem, cuidar da aparência traz inúmeros benefícios. Quando a pessoa está deprimida, desiste de viver, não encontra sentido pra lutar, uma das primeiras reações é deixar de cuidar da saúde e de si mesma.
Podemos ainda falar da luxúria, o exagero com relação aos prazeres carnais, à sensualidade e sexualidade, a lascívia. O desrespeito pelo próprio corpo, o uso egoísta do sexo e do parceiro, pode causar muitos estragos à vida da pessoa. O sexo sem amor, sem sentimento, sem cumplicidade deixa um vazio. Mas a sexualidade é dom de Deus e torna a vida mais prazerosa. A sensualidade é uma arte. O erotismo bem canalizado é benéfico. A sexualidade é um canal privilegiado para levar o ser humano à busca do outro, à relação, a se compreender, a partilhar, a conviver.
Para não me alongar muito, encerro essa reflexão com a preguiça. Está ligada também à apatia, à indiferença, à falta de compromisso. São Paulo fala daqueles que estão “muito ocupados em fazer nada” (2Ts 3,11). Pessoas que não se tocam, não querem trabalhar. Em alguns casos, é mais problema de saúde do que de caráter. Mas há mesmo os preguiçosos. Por outro lado, é muito saudável quando a pessoa sabe relaxar, descansar, curtir a vida, parar para contemplar. O sociólogo italiano Domenico De Masi fala do ‘ócio criativo’. De fato, a tendência atual é que a média de vida vá aumentando (teremos cada vez mais idosos e aposentados), e que a máquina vá aos poucos substituindo o trabalho humano. O resultado é que teremos cada vez mais tempo ocioso. Se a gente não souber lidar com esse tempo, crescerá também, cada vez mais, a depressão, o vazio.
Tudo é sempre uma questão de equilíbrio: remédio em demasia mata. Até amor em excesso sufoca. Veneno na dose certa é remédio. O que é considerado pecado capital, na dose certa, na hora certa, pode proporcionar qualidade de vida.
zeantonioliveira@hotmail.com
Rubem Alves diz que não existe nada totalmente errado nesta vida. “Até um relógio parado, duas vezes por dia fica certo”.
Por isso, podemos dizer que até os pecados chamados ‘capitais’, por serem os mais graves, os piores, têm também o seu lado bom. Não acredita? Vejamos:
A gula, por exemplo, é um mal. Comer além do necessário prejudica a saúde, alimenta o consumismo, impede a pessoa de ser mais solidária e partilhar com quem não tem o necessário. Mas aprender a saborear o alimento, degustar, sentir, valorizar e agradecer pelo sustento, aproveitar a mesa, um churrasco, uma festa para celebrar a vida, criar e estreitar os laços, confraternizar, isso é muito bom! Algumas bebidas, como o vinho e a cerveja, são medicinais. Na medida certa, claro…
A ira é outro pecado capital. Carregar ódio no coração, raiva, sentimento de vingança, isso nos corrói por dentro. Tira a nossa paz, prejudica a saúde, nos mata aos poucos. Há um pensamento, atribuído a Shakespeare, que diz: “Guardar rancor é como tomar veneno e querer que o outro morra”. Porém, engolir tudo sem digerir, aceitar passivamente a injustiça, a ofensa, o mal, vai ser altamente nocivo à saúde e à vida. A indignação faz falta. A bíblia traz inúmeras passagens sobre a ‘ira’ de Deus. O próprio Jesus a experimentou. Chegou a partir para as chicotadas e, numa linguagem nossa, “chutou o pau da barraca” (cf. Jo 2,14-16). Milton Nascimento, numa homenagem a Teotônio Vilela, canta: “De quem é essa ira santa?”
A avareza também está na lista. Apego exagerado ao dinheiro, acumular bens, ganância, ambição desmedida. Há pessoas que se entregam tanto a ela que não vivem, não têm paz. Sacrificam a saúde, prejudicam a família, não são capazes de curtir o justo descanso, o necessário conforto… Só pensam em ajuntar. Morrem frustradas, porque nada levam. Mas deixam brigas e divisões entre os herdeiros. Por outro lado, lutar por melhores condições de vida, estudar, correr atrás, se esforçar pra conseguir uma vida digna, ter sua casa e o que necessita para estar bem, isso é bom e necessário.
A sociedade atual vem abrindo muito espaço para a vaidade. É a preocupação excessiva com o aspecto físico, o desejo de conquistar a admiração dos outros, a ditadura da moda, a busca doentia pela estética, em detrimento da ética. Conta muito mais o ter do que o ser, a imagem ou o virtual do que o real. Quanta gente sacrifica o orçamento, põe em risco a própria saúde ou, até mesmo, a vida, para investir na ‘maquiagem’ (tenta-se maquiar a realidade), na lipoaspiração, nas plásticas desnecessárias, botox e tantas coisas mais. Claro que isso não pode fazer bem. Contudo, a autoestima é fundamental para uma vida saudável. Querer estar bem, bonito(a), vestir-se bem, cuidar da aparência traz inúmeros benefícios. Quando a pessoa está deprimida, desiste de viver, não encontra sentido pra lutar, uma das primeiras reações é deixar de cuidar da saúde e de si mesma.
Podemos ainda falar da luxúria, o exagero com relação aos prazeres carnais, à sensualidade e sexualidade, a lascívia. O desrespeito pelo próprio corpo, o uso egoísta do sexo e do parceiro, pode causar muitos estragos à vida da pessoa. O sexo sem amor, sem sentimento, sem cumplicidade deixa um vazio. Mas a sexualidade é dom de Deus e torna a vida mais prazerosa. A sensualidade é uma arte. O erotismo bem canalizado é benéfico. A sexualidade é um canal privilegiado para levar o ser humano à busca do outro, à relação, a se compreender, a partilhar, a conviver.
Para não me alongar muito, encerro essa reflexão com a preguiça. Está ligada também à apatia, à indiferença, à falta de compromisso. São Paulo fala daqueles que estão “muito ocupados em fazer nada” (2Ts 3,11). Pessoas que não se tocam, não querem trabalhar. Em alguns casos, é mais problema de saúde do que de caráter. Mas há mesmo os preguiçosos. Por outro lado, é muito saudável quando a pessoa sabe relaxar, descansar, curtir a vida, parar para contemplar. O sociólogo italiano Domenico De Masi fala do ‘ócio criativo’. De fato, a tendência atual é que a média de vida vá aumentando (teremos cada vez mais idosos e aposentados), e que a máquina vá aos poucos substituindo o trabalho humano. O resultado é que teremos cada vez mais tempo ocioso. Se a gente não souber lidar com esse tempo, crescerá também, cada vez mais, a depressão, o vazio.
Tudo é sempre uma questão de equilíbrio: remédio em demasia mata. Até amor em excesso sufoca. Veneno na dose certa é remédio. O que é considerado pecado capital, na dose certa, na hora certa, pode proporcionar qualidade de vida.
zeantonioliveira@hotmail.com